- Nº 2160 (2015/04/23)

<i>LPM à la carte<br>a aquisição do Siroco<br> e as encenações</i>

Argumentos

Foi aprovada a Lei de Programação Militar (LPM), com os votos a favor do PSD/CDS, a abstenção do PS e os votos contra dos restantes partidos, isto depois de umas encenações de geometria variável. A abstenção do PS resultou, no essencial, de pretender ver explicitado na LPM o programa de aquisição do Navio Polivalente Logístico. Mesmo com os deputados do PSD e do CDS a dizerem que isso não era preciso, porque a lei permite dispor das verbas, como diz o povo, à vontade do freguês. Ou seja, o PS queria que ficasse já claro a sua aquisição, na óptica de que, indo para o Governo, não teria de assumir essa opção e, sobretudo, do que dela decorre, porque o dinheiro não é elástico. E esta foi a questão de fundo.

O PS concorda e quer que o País gaste umas dezenas de milhões de euros num navio cuja natureza é a projecção de força. Bem podem vir com a conversa quanto a outras valências (evacuação, etc., etc.), tal como no passado vieram com essa mesma conversa, com outra paleta de razões, no que respeita aos submarinos. Ninguém adquire um Polivalente pelas razões apontadas, tal como ninguém adquire um submarino, para mais como aqueles que foram adquiridos, para o combate ao narcotráfico ou à imigração ilegal.

Pelo meio destas encenações e fazendo parte delas, foi agendada uma audição ao Almirante CEMA e ao General CEMGFA. Uma audição para ouvir o que já se sabia, ou seja, não há dinheiro para assegurar a manutenção plena dos navios existentes, mas venha lá o Polivalente; é muito difícil, mesmo impossível cortar no que está escassamente previsto manter, mas venha lá o Polivalente; não há dinheiro para pagar salários no Arsenal, autorizem, por favor, um adiantamento, mas venha lá o Polivalente.

Portanto, o nosso País pode vir a ter um Polivalente Logístico para projectar força, colocando-se a pergunta: onde e ao serviço de quem?

Conforme foi realçado pelo PCP, desde o primeiro momento em que esta LPM surgiu, esta era uma Lei que antes de o ser já não o era ou, como referiu, citando, o deputado António Filipe, esta LPM parece uma cena dos Monty Python1. O problema é que, para além dos altos custos para os bolsos dos portugueses (porque a conversa bafienta dos cofres cheios tem o destino encher os cofres já cheios dos mesmos do costume), prossegue o rumo de não responder a opções fundamentais para o interesse nacional. Na verdade, a LPM apareceu sem a respectiva documentação concreta explicativa de cada programa de reequipamento e assim foi votada, na generalidade, pelo PS, PSD e CDS. Ao mesmo tempo que tal acontecia, surgiram de imediato as notícias sobre uma possível aquisição, aos franceses, do navio Polivalente Logístico por 80 milhões, com todos os desenvolvimentos subsequentes, os últimos dos quais centrados, por um lado, na negociação para a baixa do custo para 60 milhões (restando saber se por outras vias – manutenção, outras aquisições induzidas, etc. – o valor não ficará o mesmo ou até superior) e, por outro lado, na opção de deixar de promover a renovação de navios (fragatas) existentes, desviando essa verba para a aquisição do Polivalente. Pelo meio houve visitas, não oficiais, de deputados do PS, CDS e PSD ao navio quando ele esteve em Lisboa, entre outras acções de engajamento para a aquisição.

Em todo este processo, regista-se ainda a afirmação do ministro Aguiar-Branco de que Portugal reganhou capacidade para poder reequipar as Forças Armadas. Uma afirmação fantástica face ao estado em que se encontram diversos meios existentes e se tivermos também presente, como é público em diversas notícias, os enormes problemas de pessoal para operar os meios existentes. Face a este quadro, lógico parecia ser que as opções se centrassem em renovar/modernizar tudo o que fosse possível e adequado, e em responder às diversas dimensões que se colocam aos problemas de pessoal, seja no que falta ou está nos mínimos, seja no rejuvenescimento, seja no respeito/cumprimento de aspectos básicos que enformam a instituição militar. Mas tal afirmação do ministro é também perigosa, se observada do ponto de vista das consequências desta política também para os militares – corte de direitos, empobrecimento, etc., já que se pode extrapolar que compete a cada militar abdicar dos seus direitos, poupando, para dessa forma comprar o equipamento militar de que necessita para cumprir a sua missão. Se a esta afirmação se juntar a do primeiro-ministro de que a reforma da Defesa 2020 vai demonstrar a «relevância e indispensabilidade da Defesa Nacional e das suas Forças Armadas», o quadro completa-se. Ficaram os militares a saber que, por ora, essa relevância e indispensabilidade ainda não estão firmadas. Se quanto aos conteúdos desta política nada se espera, pelo menos um pouco de mais tino não ficaria mal.

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1 Grupo de comédia britânico que foram os criadores da série cómica Monty Python


Rui Fernandes